Asbjørn Nørgaard no Festival Ilumina
O violista dinamarquês Asbjørn Nørgaard participou do Festival Ilumina, em janeiro de 2023.
Além de viajar pelo mundo como membro fundador do célebre Quarteto de Cordas Dinamarquês, Asbjørn ensina viola e performance de música de câmara na Royal Danish Academy of Music em Copenhague também é o presidente da Art Music Denmark, a organização nacional de música contemporânea, música clássica e arte sonora. Ele nos conta sobre suas experiências:
“Ilumina é um festival de música inovador que reúne músicos internacionais e talentosos jovens sul-americanos de origens diversas e menos favorecidas. O festival tem vários propósitos: É um intercâmbio cultural entre (principalmente) os músicos europeus e norte-americanos e os músicos sul-americanos, é um evento pedagógico com muito ensino, aulas, workshops, e é uma série de concertos em alguns dos palcos mais importantes do Brasil. A Ilumina tem uma ênfase geral em alguns dos assuntos que estão ganhando cada vez mais importância no mundo da música de hoje: Inclusão, diversidade e igualdade de oportunidades.
Esta foi a terceira vez que participei do Festival Ilumina, e minha longa conexão com este festival significou muito para mim. O festival se divide em duas partes: começa com uma semana em uma fazenda de café isolada onde todos os músicos podem trabalhar e se concentrar. Depois disso, todo o festival sai em turnê, realizando shows em vários locais diferentes: de shows em comunidades agrícolas locais à Sala São Paulo, uma das principais casas de shows do Brasil. O Festival Ilumina é um ambiente não-hierárquico (isso é bastante incomum no mundo da música clássica) e cada vez que participei do festival aprendi tanto com os jovens músicos sul-americanos quanto eles comigo.
As histórias que eles contam impressionam um privilegiado músico dinamarquês. Um menino que teve a última articulação do dedo mindinho atingido por uma bala perdida, mas ainda conseguiu tocar Bach, apenas com dedilhados diferentes. A menina que vendia adesivos o dia todo em carros no Rio para sustentar a família, só podendo praticar à noite. Um menino fazendo um vídeo de audição às 5 da manhã do lado de fora de sua casa porque é a única hora do dia em que não há barulho e pessoas por perto, apenas para ser perturbado pelos pássaros acordando. Todas as histórias inacreditáveis destes jovens músicos, mas com um nível instrumental a par dos alunos privilegiados dos melhores conservatórios europeus. Conhecer esses jovens músicos é inspirador e definitivamente mudou e reforçou minha própria perspectiva sobre muitas coisas: a música é importante! E se queremos que a música faça parte do nosso mundo, não podemos esperar que ela caia do céu: precisamos priorizá-la e trabalhar duro.
Ilumina oferece aos jovens músicos sul-americanos acesso a músicos internacionais como eu, e ajuda a conectá-los aos centros musicais globais na Europa e na América do Norte. Quando trabalho com esses músicos, tento deixar o espírito deles intacto, mas talvez organizar um pouco as coisas. Um paralelo seria a chegada de talentos prolíficos do futebol brasileiro a clubes europeus, onde aprendem a jogar o jogo bonito em uma estrutura tática mais disciplinada. Em um show, eu estava tocando Metamorphosen de Strauss com um grupo de 6 jovens músicos. É uma peça extremamente complexa, onde cada músico deve navegar por uma partitura complicada que facilmente soa como uma bagunça. No primeiro ensaio, tudo parecia bastante caótico. Mas na fazenda tínhamos muito tempo para trabalhar lentamente na peça. Tentei organizar um pouco as coisas, mas também queria deixar o espírito intocado. No concerto – um concerto noturno em um celeiro de café – todos tocaram com o coração e foi sem dúvida a melhor apresentação dessa peça que já participei. O poder da intuição e dos instintos é frequentemente esquecido na música clássica empoeirada mundo, mas esses jovens músicos sul-americanos não vão deixar a poeira baixar.
Jennifer Stumm – diretora artística e fundadora do Ilumina – criou um oásis mágico no mundo da música. Um lugar idealista, onde todos aprendem e crescem juntos. A esperança é que isso crie anéis na água o resto do ano, tanto no Brasil quanto no mundo. no meu caso sim. Em primeiro lugar, o Ilumina tem sido o meu caminho para a cena da música clássica brasileira, onde também participei de vários outros festivais, me apresentei em muitos lugares e dei várias masterclasses para jovens músicos brasileiros – tanto no prestigiado Festival de Campos do Jordão quanto no o Instituto Baccarelli na Favela Heliópolis em São Paulo. Aprendi português no processo (ajudado por minha esposa brasileira e meus filhos bilíngues). O Festival Ilumina também me ajudou a enriquecer minha rede internacional, pois todos os músicos internacionais participantes são do mais alto calibre e todos eles são ‘modernos’ no sentido de que insistem que a música clássica precisa fazer parte da sociedade circundante e causar um impacto real, não apenas ser sons bonitos em uma sala de concertos. Hoje existe uma crescente rede Ilumina global com eventos satélite acontecendo em muitos países com a mesma base de músicos.
O apoio do Instituto Cultural da Dinamarca foi uma grande ajuda para tornar minha participação possível. Os valores do Ilumina andam de mãos dadas com o atual mundo artístico dinamarquês. Há alguns anos, o Instituto Cultural da Dinamarca facilitou que trouxéssemos um quinteto de músicos Ilumina para se apresentar na festa de aniversário da Rainha em São Paulo, organizada pelo Consulado Geral da Dinamarca. Foi apenas um lindo dia onde expatriados dinamarqueses e jovens músicos brasileiros se reuniram em música e celebração. O intercâmbio cultural ocorre nos dois sentidos, os velhos podem aprender com os jovens e voltei do Ilumina com muitas novas ideias e pensamentos. Espero ter deixado algo bom no Brasil também. Espero que essa conexão musical dinamarquesa-brasileira seja algo que possamos continuar a nutrir no futuro.”